De saudade e idealismo
A jornalista, atriz e contadora de histórias, Francine Brandão, vive experiência como professora de Arte, em nossa escola. Foi breve sua passagem entre aulas, alunos e colegas professores, mas foi intensa. Aqui ela despede-se dos alunos. Mas já somos convidados para ouvir suas histórias pelos espaços culturais desta cidade.
Jornalista, atriz, contadora de histórias e professora |
De saudade e idealismo
Queria contar para vocês como chega uma professora semi nova
ao ensino público: carregada de sonhos, com a bagagem até pesada de vontade de
melhorar o mundo pela educação. Não funcionam jogos teatrais? Vamos pelo funk
político. Enjoaram? Dá-lhe “contação” de histórias. Sem ideia como começar a
contar as de vocês como pedi? Dou aula “montada” no figurino, de peruca e conto
a minha...
“Era uma vez um bebê que quando nasceu passou quatro meses
chorando. A mãe dava chá, peito, sumia das festas quando ela passava os
bracinhos pela testa, um dia cansada colocou ele meio brava no berço:
- Chora aí que nada te acalma!
O bebê riu. Daí ela chorou. Pediatra dizia que era cólica,
fome... Um dia, a mãe, com esse olhar de águia materno, cismou que tinha uma
nata naquele olhinho e convocou o marido: “vamos ao oftalmologista”? Tinha
alguns no convênio da fábrica do pai. Ela escolheu o mais perto. Era glaucoma
congênito, que sobre a pressão do olho, deixa os olhos grandes e põe qualquer bebê
para chorar. Só dois médicos faziam essa operação. A divina providência levou
eu e minha mãe num deles. Conheci outros com o mesmo problema sem metade do que
enxergo. Esse bebê é a antiga professora de artes de vocês, que conta a
história para explicar o quanto acredita em milagres”
Talvez fossem histórias assim que esperava que me contassem.
Mas como me acusa um amigo: “pô, você vive 100 anos? Já fez tudo”. Quase... mas
tenho 36. Também conto a história por ter me ocorrido, que por conta do estica e
puxa da minha córnea, lá dentro dos olhos, enxergo diferente mesmo: olhei para
vocês e ao contrário de tudo que ouvi, dentro e fora da escola enxerguei
crianças.
Não fiquem ofendidos. O escritor Rubem Alves, que entende muito de educação, diz que a adolescência é o prolongamento da infância. Via
em vocês aquela fase “descômoda” de deixar morrer a criança para vir o adulto,
sem se desapegar da infância e nem se atirar à fase em que “todas as
responsabilidades do mundo caem nos nossos colos”. Estava um tantinho parecida:
precisando deixar partir a velha jornalista, o que fiz antes de ensaiar ensinar
artes para vocês, para “parir” a professora. Na comunicação eu já estava
desgostosa, não acreditava em mais nada, só queria era fazer matéria em casa de
pijama e abrindo a boca de sono...
Com a educação não! Tinha ensinado redação para quase
adultos (pausa para rir), teatro para semi novos como eu e inglês para crianças
e executivos, em movimento social, faculdade, empresa e no Parque da Juventude.
Pronto, a gente já supõe que este é mesmo o caminho da revolução: educação! Não
administram o dinheiro? Escola! Abusos? Escola! Criatividade? Escola! Preparar
para o trabalho? Escola! Dos professores se espera mesmo que façam das tripas
coração. E juro que fiz o que podia: fui tirando do baú da contadora de
histórias ideias que nem sabia ter... Mas uma semana depois que pedi para saber
as histórias de vocês, dos 400 que ouviam as ideias dos vídeos, as dinâmicas,
as fotos... Uma dúzia me contou. E eram curtas e grossas, eu queria drama, riso,
lágrimas... Agora me ocorre que para mim, que escrevo histórias desde novinha
como a Natalia Anatólio – sempre em frente garota! – era simples: uma família
que perde o amigo, mas não a piada, uma mãe dramática e eu, exagerada como
típica sagitariana, só sei por minhas histórias para fora aumentando, pondo
doses de ironia, humor negro... Agora me ocorre que peguei pesado com vocês.
Não sei se quem não teve mãe contando história ao pé da cama, vô escrevendo as
memórias, tias e primas, incontáveis, tornando tudo muito mais divertido do que
realmente foi isso é uma lição de casa que se preze.Levei projeto, mas precisava de mais parceiros. Tive ideia de
proposta, mas faltava material. Queria levar tanto vídeo para vocês que ia
monopolizar a sala da TV. Carreguei tanta coisa para propor em sala que meus
ombros pediram trégua. Só de passar a lição na lousa me entupi inteira de
alergia e precisava da voz, por contar história fora daí, em festa, lançamento
de livro... Achei que minha animação não contagiava tantos quanto precisava.
Daí me chamaram para um trio irresistível: contar história, fazer feira de
livro, exposição educativa, festa junina, cuidar dos livros... E entre uma
coisa e outra, poder ler! Quis isso criança, quando “morava na biblioteca”. Mas
não pensem que esqueci dos alunos carregando meu material, ouvindo o que
explicava e perguntando espantados “é mesmo prô”?, perguntando da minha
religião, se tinha filho, qual o signo, se era hippie, porque não raspava o
braço (respeitem a alergia dos branquinhos “minha gente”), usando minha peruca,
me parando no corredor para saber se ia para a sala deles, cobrando porque
estava faltando, cantando comigo, dividindo histórias da avó comigo, né Érica? É
que quando comecei a questionar em que contexto um educador que amo escreveu
suas teorias, desconfiei que precisava ir embora antes de duvidar de tudo que
podemos fazer para que os olhos de vocês brilhem e consigamos mudar o mundo. A
gente tem que ser meio Che Guevara para carregar diários, falar entre uma
brincadeira e outra, passar lição, planejar como ensinar, de que forma vencer
os bloqueios de vocês... Meio não. Precisamos ser Che de saias, já que a
educação tem tanta mulher. Não queria sair à francesa, para combinar com meu
nome. Mas ia ser um desaforo tumultuar um dos poucos dias em que não estavam
elétricos nas aulas de quem consegue deixá-los mais calmos que eu. Professor
tem que bater e assoprar. Eu assoprei até ficar sem fôlego. Não tinha ideia
como “bater gentilmente”. Obrigada por também me ensinarem: é adolescente, não
aborrescente. Por lembrar o quanto foi uma fase dificultosa e aumentar meu
treino de compaixão: quem não passou por isso? Lembrem da prô meio maluquinha
como no livro do Ziraldo quando ouvirem “alecrim, alecrim dourado”... ou “se
essa rua, se essa rua fosse minha”. Nós nos tatuamos irreversivelmente um no
outro. Para o memorável e o dolorido.
“Grudem” nessa biblioteca, pois como eu
quis ter uma nas minhas escolas! Agarrem o que estes repetitivos professores
oferecem: é que o tempo voa mesmo! E quando disserem que são tagarelas,
bagunceiros, desinteressados, briguentos, sejam o contrário, que adolescente
típico tem que contrariar. Desculpe por não ser boa em despedidas e me dar
melhor escrevendo que falando. É que estou como meu amigo, nada de acenos
chorões dando tchaus com lencinhos encharcados. Ainda nos veremos por aí. Mais
do que imaginamos.
Quer saber sobre o que mais ela escreve? É só acessar aqui.
http://cheirodestrela.blogspot.com.br/
Quer saber sobre o que mais ela escreve? É só acessar aqui.
http://cheirodestrela.blogspot.com.br/
Comentários
Postar um comentário